O Ministério Público do Estado do Ceará
(MPCE), por intermédio do promotor de Justiça respondendo pela Comarca de
Mauriti Leonardo Marinho de Carvalho Chaves propôs, no dia 31 de março de 2021,
uma Ação Civil Pública para declaração de nulidade de doações de bens públicos,
combinada com pedido de liminar contra aquele município, representado pelo
prefeito Isaac Gomes da Silva Júnior. Também foram acionadas a empresa
Atlântica Agropecuária Ltda, representada pelos sócios Victor Studart Gomes
Lima e Tissiana Studart Lima Vasconcelos; a Associação de
Microempresários de Pequeno Porte, representada pelo presidente Marcos Roberto
Bastos de Lima e a empresa Sorvetes Mauriti Ltda, representado pelos sócios
Fabiano Silva Fernandes e João Fernandes Maia.
Na ação, o Ministério Público requer que seja
declarada a inconstitucionalidade difusa das Leis Municipais 1.236/2014;
1.350/2015 alterada pela Lei 1.387/2016 e a Lei 1.330/2015 com a consequente
nulidade dos atos de doação de imóveis públicos. A Promotoria de Justiça de
Mauriti tomou conhecimento de ter havido a doação irregular de imóveis pela
Prefeitura Municipal de Mauriti, que na época tinha como prefeito Francisco
Evanildo Simão da Silva.
Em razão disto foi instaurado um Procedimento
Preparatório para apurar diversas doações de terrenos públicos do acervo
patrimonial do Município de Mauriti a pessoas jurídicas de direito privado para
instalação de empresas, algumas com mais de cinco anos de cessão, sem notícia
de realização de avaliação prévia e processo de licitação, nos termos do artigo
17, da Lei 8.666/93.
Das diversas leis municipais que autorizaram
as doações de imóveis públicos nos últimos cinco anos, o Ministério Público
verificou que os terrenos doados tinham origem em desapropriação por utilidade
pública e áreas institucionais para loteamento urbano, o que implicaria
indícios de desvio de finalidade e descumprimento a Lei de Parcelamento do Solo
Urbano (Lei Federal 6.766/79).
A ação pediu que fosse requisitado ao
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Ceará (CREA/CE), para que
informasse se houve a emissão de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART),
sobre obras de engenharia realizadas no Município de Mauriti, pelas empresas
Atlântica Agropecuária Ltda, Associação de Microempresários de Pequeno Porte e
Empresa Sorvetes Mauriti Ltda, e, caso positivo, encaminhasse as cópias dos
documentos, necessárias para aferir as áreas das edificações já
construídas.
Neste sentido, foram identificadas as
seguintes doações irregulares: terreno localizado no Sítio Gomes, Distrito da
Palestina, área de 126.200,33m², doado à empresa Atlântica Agropecuária Ltda –
Lei Municipal 1236/2014; terreno localizado no Sítio Mandassaia, Distrito
da Palestina, área de 407.981,19m², doado a empresa Atlântica Agropecuária Ltda
– Lei Municipal 1236/2014; terreno localizado no Parque da Feira, na
continuidade da Rua Capitão Miguel Dantas, com área de 4.889,23m², doado à
Associação de Microempresários de Pequeno Porte e destinado ao Shopping Popular
de Mauriti – Lei Municipal 1350/2015 alterada pela Lei 1387/2016.
Também observou-se a doação irregular do terreno localizado na sede,
bairro Bela Vista, Rua José Jacome de Carvalho (sede), com área de 3.333,31m²,
doado à Empresa Sorvetes Mauriti Ltda – Lei Municipal 1330/2015.
Observou-se que a Lei Municipal nº 1236/2014
autorizou o Chefe do Poder Executivo Municipal a doar 126.200,33m² e
407.981,19m² de áreas públicas, de propriedade do Município de Mauriti,
situadas no Sítio Gomes e no Sítio Mandassaia, ambas no Distrito da
Palestina, a empresa Atlântica Agropecuária Ltda. Segundo os autos, as áreas
públicas doadas são verdadeiros latifúndios, posto que compostas de milhares de
metros quadrados de áreas públicas destinados a uma única empresa que explora
atividade econômica no ramo de criação de frangos (granja), e que somadas
equivalem ao tamanho de 40 campos de futebol.
O Ministério Público requisitou do Poder
Executivo Municipal cópia da avaliação prévia do imóvel público, tendo a
Secretaria de Infraestrutura da Prefeitura Municipal de Mauriti respondido, por
meio de Ofício, que não possuía nenhum documento relativo aos Laudos de
Avaliação Prévia dos imóveis públicos doados pelo Município às empresas
especificadas na Lei 1236/2014 (Atlântica Agropecuária Ltda) e na Lei 1350/2015
(Associação de Microempresários e Empresários de Pequeno Porte de
Mauriti).
Ainda foi requisitado a Prefeitura de Mauriti
para que realizasse inspeção nos locais e apurasse se nas áreas doadas a empresa
Atlântica Agropecuária Ltda houve edificações, requisito obrigatório para
concretização das doações, tendo a edilidade encaminhado um Ofício informando
que “(…) no Sítio Gomes não existe nenhum empreendimento, enquanto no
Sítio Mandassaia verificou-se a existência de tal”.
Diante da informação, o Ministério Público
requisitou a elaboração de Auto de Constatação no
Sítio Mandassaia para vistoriar a edificação ali levantada, que assim
procedeu, confirmando-se o funcionamento de uma granja e que no local foram
construídos três galpões utilizados para criação de aves, registrando-se,
ainda, a presença de ventiladores, reservatórios de água e ração para os
animais no local.
Tendo em vista a edificação, foi requisitado
a empresa Atlântica Agropecuária Ltda cópia dos atos constitutivos da empresa,
planta baixa (layout) da edificação realizada no terreno, porém nada foi
respondido até a presente data, o que presume que a empresa não colabora para
comprovar os compromissos do termo de doação das áreas públicas. Chamou a
atenção para a desproporção entre o investimento dado pela Prefeitura, em forma
de doação, a empresa Atlântica Agropecuária, pois apesar de existir a
edificação de três galpões, o Ministério Público entende que as construções não
justificam o tamanho da área doada de 407.981,19m², o que equivale a cerca de
38 campos de futebol.
Já na localidade do Sítio Gomes, Distrito da
Palestina, a Prefeitura de Mauriti informou que não foi realizada nenhuma
edificação até a presente data, o que demonstra que a área doada de
126.200,33m² não teve a destinação social pretendida, o que equivale a cerca de
12 campos de futebol e que deve ser restituída ao acervo público. A Lei
Municipal nº 1350/2015 alterada pela Lei 1387/2016 autorizou o Chefe do Poder
Executivo Municipal a doar 4.889,23m² de área pública, de propriedade do
Município de Mauriti, situada no Parque da Feira, na continuidade da Rua
Capitão Miguel Dantas, a empresa Associação de Microempresários de Pequeno
Porte.
Do mesmo modo, o Ministério Público requisitou
do Poder Executivo Municipal cópia da avaliação prévia do imóvel público, tendo
a Secretaria de Infraestrutura da Prefeitura Municipal de Mauriti respondido,
por meio do Ofício, de 15 de maio de 2019, que a Secretaria de Infraestrutura
não possuía nenhum documento relativo aos Laudos de Avaliação Prévia dos
imóveis públicos doados pelo Município às empresas especificadas na Lei
1236/2014 (Atlântica Agropecuária LTDA) e na Lei 1350/2015 (Associação de
Microempresários e Empresários de Pequeno Porte de Mauriti). Portanto, também
não seria possível o envio dessa documentação.
Ainda, foi requisitado a Câmara de Vereadores
informações sobre a doação autorizada pela Lei Municipal 1350/2015, tendo a
Presidente da Casa Legislativa à época, Fernanda Cartaxo Martins Pitanga
encaminhado um Ofício, de 10 de dezembro de 2018, informando que realizou
vistoria no local e emitiu um Relatório Circunstanciado de Vistoria. Segundo a
Presidente da Câmara, o relatório constatou que a finalidade da lei não foi
atingida. Ou seja, a construção do Shopping Popular não foi realizada, nem
sequer iniciada.
Ainda segundo a Presidente da Câmara, ela
informa que enviou o referido relatório ao prefeito e à Procuradoria-Geral do
Município de Mauriti para que fosse realizada a notificação da donatária acerca
da reversão do bem ao patrimônio municipal, porém, até a presente data, o
Município não informou ao Ministério Público a adoção das providências adotadas
para reverter as doações. Foi requisitado à Associação de Microempresários e Empresários
de Pequeno Porte de Mauriti cópia dos atos constitutivos da empresa, planta
baixa (layout) da edificação realizada no terreno, porém nada foi respondido
até a presente data, o que presume que a empresa não colabora para comprovar os
compromissos do termo de doação das áreas públicas.
Por fim, a Lei Municipal nº 1330/2015
autorizou o Chefe do Poder Executivo Municipal a doar 3.333,31m² de área
pública, de propriedade do Município de Mauriti, situada no bairro Bela Vista,
Rua José Jacome de Carvalho (sede), à Empresa Sorvetes Mauriti Ltda. Do mesmo
modo, o Ministério Público requisitou do Poder Executivo Municipal, por meio de
Ofício, de cópia da avaliação prévia do imóvel público, tendo a Prefeitura
Municipal de Mauriti respondido, por meio de Ofício, a inexistência de laudo de
avaliação.
Ainda segundo a Prefeitura, foi feita
vistoria no local, onde funciona a empresa Sorvetes Mauriti Ltda, e constatada
a existência de edificação, porém a Prefeitura não informou nada a respeito da
área da edificação construída. Foi requisitado à referida empresa cópia dos
atos constitutivos, planta baixa (layout) da edificação realizada no terreno,
mas ela apenas encaminhou os atos constitutivos; porém, nada apresentou sobre
as dimensões da área construída ou documentos como Anotações de
Responsabilidade Técnica, Alvará de Construção, Licenças Ambientais etc.
Pelas fotografias anexadas aos autos, a
edificação não justifica o tamanho da área doada de 3.333,31m², havendo nítida
desproporção entre o investimento realizado pela Prefeitura, na forma de
doação, e a destinação social dada ao imóvel público doado, o que justifica a
nulidade do ato administrativo vícios na doação dos terrenos públicos.
MPCE
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